Há algo de errado com a indústria de games


Há algo de errado com a indústria de games

Embora o assunto tenha caído no esquecimento nos últimos tempos (graças a notícias mais importantes, como a data de lançamento do Xbox One e do PlayStation 4 e a chegada de GTA Vao mercado), durante alguns meses era difícil não se confrontar com desenvolvedores falando sobre como os custos de produção vão subir na próxima geração de consoles.

Nomes como Will Spector e Cliff Blezinski, cada um a seu modo, discursaram longamente sobre como é difícil a vida de um desenvolvedor obrigado a gastar milhões de dólares (e ganhar muito bem) para criar um novo game. E gastaram mais saliva ainda afirmando que era o trabalho do consumidor compensar esse custo crescente, seja se acostumando com práticas de DRMs restritivos ou investindo na compra de centenas de pacotes de DLCs.

Seguindo a lógica de muitos membros da indústria, é difícil não ficar com a impressão de que muitos desenvolvedores, produtores e distribuidores nos veem como uma simples ferramenta. Pelo que é possível retirar das declarações feitas por alguns nomes da indústria, o consumidor existe somente como um agente passivo cuja única obrigação é comprar — nem que para isso ele tenha que vencer diversos obstáculos e se acostumar com práticas abusivas.
Expectativas irreais
A meu ver, um dos principais problemas a assolar o mercado de games é a falta de bons administradores em cargos de comando. Com o crescimento absurdo que a indústria vem testemunhando desde a era dos 128 bits, se tornou lugar-comum pensar que a fórmula “mais dinheiro investido = mais lucros” é inteligente e sustentável a longo prazo.
O que esses profissionais não parecem entender é que essa fórmula só funciona caso o dinheiro seja investido de maneira inteligente e resulte em um produto que realmente atraia os consumidores. Provas de como essa filosofia pode dar errado não faltam, como bem demonstra o controverso Resident Evil 6.

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O jogo da Capcom talvez seja o melhor exemplo de como gastos excessivos e falta de foco podem prejudicar uma empresa. Ao apostar em uma ocidentalização de suas mecânicas, o título perdeu muitos dos elementos únicos à série, se mostrando um jogo de ação no máximo mediano. E o pior ponto de toda essa história é o fato de que, mesmo vendendo 4,9 milhões de unidades, o produto teve um desempenho “abaixo das expectativas”.
Naturalmente, quem foi apontado como o culpado da situação não foram os administradores da companhia, que investiram dinheiro demais em um produto duvidoso. Afinal, quem são eles perante o “consumidor ingrato”, que “não entendeu” os objetivos do game e deixou a pobre empresa japonesa no prejuízo — e dá-lhe DLCs para tentar compensar isso.

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Infelizmente, o título da Capcom não é o único a sofrer com previsões irreais. Tomb Raider eHitman: Absolution, por melhores que sejam, também foram considerados “decepcionantes” pelaSquare Enix, que esperava que games que historicamente não vendem mais do que 4 milhões de unidades tivessem desempenho semelhante ao de blockbusters como Call of Duty ou Grand Theft Auto.
Diante de situações do tipo, empresas não decidem repensar seus métodos de negócio, mas sim colocar toda a carga sobre os ombros do consumidor. A falha comercial de um título invariavelmente resulta em um maior investimento em DLCs, métodos de DRM restritivos (o Xbox One está aí para provar isso, por mais que a Microsoft tenha abandonado suas políticas) e na verdadeira caça às bruxas que está acontecendo contra o mercado de jogos usados.
“Empresas existem para ganhar dinheiro”
Um dos principais argumentos de quem defende o uso de práticas anticonsumidor por parte da indústria como forma de lucrar é o de que “empresas existem para ganhar dinheiro”. Ou seja, contanto que você esteja ganhando alguns trocados por isso, tudo bem cobrar por DLCs que já estão nos discos enviados às lojas ou exigir o pagamento por elementos como cheats, algo que era parte integrante dos títulos no passado.

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Fazendo um paralelo assumidamente exagerado, essas pessoas parecem não se lembrar de que práticas como a venda de drogas e o tráfico internacional de escravos também existem com o intuito de “ganhar dinheiro”. Dito isso, é preciso ressaltar que as exigências de lucro do mundo capitalista não são desculpa para o uso de práticas indesejáveis ou que possam prejudicar alguém — especialmente se essa pessoa está dando de bom grado seu dinheiro a uma empresa.
Talvez a maior prova de que não é preciso tratar mal o consumidor para obter sucesso seja o Steam. Apesar de o sistema da Valve servir como uma espécie de DRM, as vantagens proporcionadas pelo serviço são tantas que até nos esquecemos de que essa restrição existe.



Entre os sistemas criados pela empresa estão pré-compras que rendem títulos extras de maneira gratuita e a possibilidade de fazer o carregamento prévio de um jogo para poder jogá-lo assim que a data de lançamento for atingida. Isso sem contar com as promoções diárias e as liquidações de inverno e de verão, um verdadeiro paraíso para quem quer comprar dezenas de games bons pagando pouco por isso.
O resultado dessa filosofia de trabalho é a ótima percepção pública que a Valve tem, que a deixa em um patamar muito longe da impressão que o público tem da Square Enix, Capcom, Electronic Arts e Activision. Claro, também ajuda o fato de os títulos da empresa de Gabe Newell raramente contarem com pacotes de DLC e possibilitarem que o público lucre com eles através da venda de itens com finalidade meramente estética — como bem provam os chapéus de Team Fortress 2 e os enfeitos de DoTA 2.
Mamãe, quero ser Call of Duty
Seja você fã da franquia de tiro da Activision ou não, é difícil negar o sucesso que a série Call of Duty conquistou nos últimos anos. Tanto é que Black Ops 2, até o lançamento de Grand Theft Auto V, detinha o título de produto de entretenimento que mais lucrou durante suas primeiras 24 horas, obtendo nada menos que US$ 500 milhões.

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Infelizmente, os bons resultados obtidos pela série afetaram de forma negativa o mercado como um todo. Os títulos da Activision se mostraram tão bem-sucedidos que, de uma hora para outra, todos tentaram repetir a sua fórmula, sem entender que isso não era exatamente uma boa ideia.
É como se, de uma hora para outra, todas as fabricantes de refrigerante tentassem repetir o sucesso da Coca-Cola. O resultado obtido pode até ser parecido, gerando alguns produtos de qualidade. Porém, no final das contas, quem realmente gosta do produto da Coca-Cola pode até experimentar algum concorrente, mas no final do dia vai continuar comprando somente latinhas e garrafas daquilo que realmente gosta.
Nessa onda de “quero ser Call of Duty”, diversas franquias acabaram perdendo sua essência — sendo a mais evidente delas a série Medal of Honor, atualmente de volta à “geladeira” da Electronic Arts. No entanto, títulos como Mass Effect, Dead Space e o já citado Resident Evil 6 também foram afetados negativamente por esse modo de pensar, ganhando elementos que não eram condizentes com as propostas originais desses títulos.

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Infelizmente, o fato de que ninguém conseguiu superar a série da Activision em número de vendas (ao menos no gênero FPS) não abriu os olhos das empresas para que elas investissem em outras experiências. Prova disso é o fato da Capcom já ter anunciado que Dead Rising 3 foi desenvolvido para agradar aos fãs da franquia de tiro — que não necessariamente querem experimentar o título com zumbis.
Novamente, o culpado pelo fracasso de vários imitadores cai sobre o colo do consumidor, que rejeita empresas simplesmente porque elas estão entregando “aquilo que eles querem”. O que falta a essas companhias perceber é que, embora a Coca-Cola domine o mercado, isso não quer dizer que não haja espaço para outros refrigerantes com sabores diferentes que, apesar de possuírem menos sucesso, ainda assim se mostram lucrativos.
Caso essa lição da indústria de refrigerantes fosse transposta para o mundo dos video games, poderíamos testemunhar o lançamento de títulos com orçamento menor, mas cujas experiências seriam mais variadas e atraentes do que as atuais. Quem cada vez mais prova que isso é possível são os desenvolvedores independentes que, livres das amarras impostas por investidores externos, podem explorar conceitos novos que não necessariamente seguem a moda do momento.
Você tem o direito de reclamar
Diante desse cenário em que cada vez mais o consumidor é pintado como um culpado pelos fracassos dos grandes estúdios, parece que não há muito a fazer a não ser se acostumar com as restrições impostas pela indústria. No entanto, essa impressão é falsa, já que temos à disposição uma arma forte para mudar isso: nossas carteiras.
Não, não estou dizendo para você piratear os jogos e assim prejudicar os profissionais envolvidos como “forma de protesto”. Além de isso ser uma desculpa barata para não pagar por um produto, na prática você de alguma forma continua consumindo o conteúdo que tanto insiste em criticar.

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O que podemos fazer para tentar mudar essa situação é simplesmente não apoiar as práticas que condenamos. Ou seja, se você não curtiu a ideia de um game vir acompanhado por DLCs em seu disco, guarde seu dinheiro para comprar outro título. Da mesma forma, se recuse a pagar por conteúdos adicionais que não trazem nenhum benefício. Não é preciso realizar os tais “boicotes públicos” (que nunca dão certo), basta que suas reclamações passem a ser refletidas na maneira como você se comporta como consumidor.
Outra ferramenta igualmente potente é a internet que, apesar de repleta de reclamações raivosas e sem argumentos válidos (os famosos “mimimis”), também se mostra uma ferramenta boa para deixar claro às empresas que não estamos dispostos a engolir tudo o que elas fazem. Maior exemplo disso é o Xbox One, cujas políticas restritivas foram abandonadas pela Microsoft após a grande quantidade de reações desfavoráveis mostradas pelo público.
 


O fato é: por mais que estejam dispostas a impor cada vez mais limitações, as empresas sabem que não ouvir seus consumidores é algo tremendamente arriscado, principalmente quando isso se reflete em quedas de vendas. Dessa forma, resta a nós deixarmos bem claro que há um limite claro entre o que vamos aceitar ou não — mesmo que aceitar discursos falsos e adotar atitudes conformistas se mostrem algo bem mais fácil.


1 comentários:

  1. Capcom é filha da puta, Square é filha da puta, Microsoft é filha da puta, Acitivion, Treyarch (essa merecia falir bonito) são tudo filhas da puta.
    Por isso mt gente ta indo pra Sony, que ta apoiando os consumidores \o/
    Felizmente hj em dia ainda temos Naughty Dog, Ubisoft, Rockstar, que realmente sabem fazer algo MUITO bem feito!

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